Eduardo Lourenço, a voz que ecoa
Em dia de luto nacional pela morte de Eduardo Lourenço, a Casa da Arquitectura publica, em homenagem, um texto onde o curador da exposição, o arquiteto Nuno Grande, recorda aquele que é um dos maiores pensadores portugueses do século XX.
Eduardo Lourenço, a voz que ecoa
Nuno Grande
Entre abril e agosto de 2018, a voz de Eduardo Lourenço ecoou diariamente pela Galeria de Exposições da Casa da Arquitetura. A projeção de uma entrevista realizada em Lisboa, em 2014, abria o espaço da exposição “Os universalistas, 50 anos de arquitetura portuguesa”, evento que comissariei para a Fundação Calouste Gulbenkian, em 2016, na Cité de l´architecture et du patrimoine, em Paris, e que, em boa hora, Matosinhos soube depois acolher.
Eduardo Lourenço foi o fio condutor dessa investigação-exposição sobre o universalismo. Como escrevi então no catálogo do evento, “Lourenço percorre um conjunto de temas que nos ajudam a balizar arcos temporais e conceptuais do universalismo português, e que situamos no campo específico da cultura arquitetónica. Esses sucessivos períodos enquadram o pensamento e a prática de inúmeros arquitetos, em face das circunstâncias culturais e sociais que, dentro e fora de Portugal, deram contexto e sentido à sua obra. O universalismo arquitetónico é aqui colocado em confronto ou em diálogo: com a influência do internacionalismo moderno, mas também do nacionalismo, na derradeira fase da ditadura portuguesa (1960-1974); com a década final do colonialismo português (1971-1975); com a Revolução dos Cravos (1974-1979); com o processo de integração de Portugal na Comunidade Europeia (1980-2000); e com o impacto da globalização (2001-2016).”
Ao longo da exposição, cada um desses cinco temas seria introduzido por excertos de alguns dos (muitos) ensaios seminais de Eduardo Lourenço: “Psicanálise mítica do destino português” (1978); “Da não-descolonização” (1990); “Do pesadelo azul à orgia identitária” (1989); “Nós e a Europa” (1987); e “Crepúsculo Europeu” (2013). Na entrevista concedida, o autor afirmava que o “universalismo português se define por defeito”, ao contrário da soberba do Universalismo Iluminista centro-europeu que sempre desejou ser o padrão cultural do Ocidente, pelo menos desde o século XVIII. De algum modo, a nossa condição “heterodoxa” (como em Lourenço) e “heteronímica” (como em Pessoa) explicará muita dessa “coisa” estranha que é ser português, algo que o ensaísta soube obstinadamente descortinar, ao longo de toda a sua vida.
Eduardo Lourenço sempre se colocou no lugar do Outro, ou de todos os Outros, para compreender o seu. Morreu hoje, 1 de dezembro de 2020 – Dia da Independência de Portugal, diz-se –, talvez para nos lembrar que, nessa cíclica alteridade, nunca fomos, e nunca seremos, verdadeiramente independentes em relação a nada nem a ninguém; ao contrário do que proclamam os nacionalismos mais serôdios, que sempre fez questão de repudiar. Uma derradeira ironia Lourenciana que, no dia de hoje, ele mesmo resolveu legar-nos.
Eduardo Lourenço, a voz que ecoa
Nuno Grande
Entre abril e agosto de 2018, a voz de Eduardo Lourenço ecoou diariamente pela Galeria de Exposições da Casa da Arquitetura. A projeção de uma entrevista realizada em Lisboa, em 2014, abria o espaço da exposição “Os universalistas, 50 anos de arquitetura portuguesa”, evento que comissariei para a Fundação Calouste Gulbenkian, em 2016, na Cité de l´architecture et du patrimoine, em Paris, e que, em boa hora, Matosinhos soube depois acolher.
Eduardo Lourenço foi o fio condutor dessa investigação-exposição sobre o universalismo. Como escrevi então no catálogo do evento, “Lourenço percorre um conjunto de temas que nos ajudam a balizar arcos temporais e conceptuais do universalismo português, e que situamos no campo específico da cultura arquitetónica. Esses sucessivos períodos enquadram o pensamento e a prática de inúmeros arquitetos, em face das circunstâncias culturais e sociais que, dentro e fora de Portugal, deram contexto e sentido à sua obra. O universalismo arquitetónico é aqui colocado em confronto ou em diálogo: com a influência do internacionalismo moderno, mas também do nacionalismo, na derradeira fase da ditadura portuguesa (1960-1974); com a década final do colonialismo português (1971-1975); com a Revolução dos Cravos (1974-1979); com o processo de integração de Portugal na Comunidade Europeia (1980-2000); e com o impacto da globalização (2001-2016).”
Ao longo da exposição, cada um desses cinco temas seria introduzido por excertos de alguns dos (muitos) ensaios seminais de Eduardo Lourenço: “Psicanálise mítica do destino português” (1978); “Da não-descolonização” (1990); “Do pesadelo azul à orgia identitária” (1989); “Nós e a Europa” (1987); e “Crepúsculo Europeu” (2013). Na entrevista concedida, o autor afirmava que o “universalismo português se define por defeito”, ao contrário da soberba do Universalismo Iluminista centro-europeu que sempre desejou ser o padrão cultural do Ocidente, pelo menos desde o século XVIII. De algum modo, a nossa condição “heterodoxa” (como em Lourenço) e “heteronímica” (como em Pessoa) explicará muita dessa “coisa” estranha que é ser português, algo que o ensaísta soube obstinadamente descortinar, ao longo de toda a sua vida.
Eduardo Lourenço sempre se colocou no lugar do Outro, ou de todos os Outros, para compreender o seu. Morreu hoje, 1 de dezembro de 2020 – Dia da Independência de Portugal, diz-se –, talvez para nos lembrar que, nessa cíclica alteridade, nunca fomos, e nunca seremos, verdadeiramente independentes em relação a nada nem a ninguém; ao contrário do que proclamam os nacionalismos mais serôdios, que sempre fez questão de repudiar. Uma derradeira ironia Lourenciana que, no dia de hoje, ele mesmo resolveu legar-nos.
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Os Universalistas © Hélder Edgar